Observatório da Copa do Mundo FIFA 2014

O Observatório da Copa do Mundo FIFA 2014 é um canal de informações e de estudos sobre os acontecimentos e os impactos relacionados à Copa do Mundo FIFA 2014. Neste espaço realizaremos pesquisas e debates sobre: mercantilização e politização do futebol na era da globalização, as relações de poder e de exploração da FIFA no Brasil e no mundo, a criminalização aos Movimentos Sociais, a Lei da Copa e também sobre manifestações contra a Copa no Brasil. Este é um trabalho realizado pelo grupo de estudos e pesquisas GEOPOLÍTICA DO FUTEBOL ligado à Universidade Estadual de Goiás - UnU Goiânia - ESEFFEGO.
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domingo, 20 de abril de 2014

A COPA DO MUNDO 2014 SERÁ DOS BLACK BLOCKS



Os meses de maio e junho de 2013 no Brasil foram marcados por contínuas e maciças mobilizações de rua em várias cidades do país, cujos gritos e palavras de ordem expressavam a insatisfação e indignação frente à precarização da vida nas cidades, reflexo também do aumento do custo de vida, da inflação, do endividamento, do desemprego, da falta de transporte público de qualidade, da marginalização, abandono e exclusão de milhares de pessoas pertencentes às classes mais pobres e residentes nas periferias das grandes cidades. A forte crise instalada sobre os partidos, sindicatos e instituições representativas a partir da primeira década do ano 2000, também amplificaram a revolta e as mobilizações, catalisando a efervescência e o agigantamento dos movimentos de rua em todo o país. Movimentos sem líderes e sem partidos, construídos de forma espontânea e  não tradicional, sem hierarquização e com relações horizontais, desenharam o modelo das mobilizações brasileiras. O pano de fundo destes movimentos que eclodiram explosivamente em todo o Brasil em 2013 foi a forte crise social, econômica e financeira que atravessa não somente o Brasil, mas todo o mundo capitalista globalizado. O aprofundamento das políticas neoliberais em escala planetária, a precarização do mundo do trabalho, as políticas de austeridade impostas pelos organismos internacionais (Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial) tem provocado o aumento da concentração de renda e o empobrecimento acelerado e a degradação da vida de grande parte da humanidade, marginalizada e sem acesso a qualquer tipo de direitos ou garantias sociais. A chamada crise do subprime em 2008 nos EUA foi capaz de alavancar graves crises em toda economia capitalista mundial, atingindo em cheio a África, Europa, América Latina e Ásia.
Com o aprofundamento da crise, aumentaram também os conflitos e os confrontos urbanos, acelerados e amplificados pelo aumento das desigualdades de classes e também pela elevação da concentração da renda por parte de uma minoria. Consequentemente o Estado, como mantenedor e reprodutor da ordem burguesa capitalista, promove o aumento exponencial da repressão e da violência através de seu aparato militar. No Brasil os confrontos nas ruas se tornaram violentos e marcados pelo uso desproporcional da força policial militar, onde manifestantes, jornalistas, estudantes e professores foram agredidos e presos violentamente. Várias cidades em volta do mundo se tornaram foco de mobilizações populares e de rua. Estudantes, jovens trabalhadores precarizados, aposentados e também desempregados de Madri, Atenas, São Paulo, Lisboa, Fortaleza, Nova York, Goiânia, Rio de Janeiro, Recife, Buenos Aires, Santiago e de tantas outras cidades vão para as ruas demonstrar o descontentamento e a revolta frente à exploração desenfreada e a barbárie provocada pelo sistema capitalista.

Ela mostra como o poder coletivo de corpos no espaço público continua sendo o instrumento mais efetivo de oposição quando o acesso a todos os outros meios está bloqueado [...]. A praça Tahir mostrou ao mundo uma verdade óbvia: são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no twitter ou facebook, que realmente importam  (HARVEY, 2012).

As ruas se transformam em “arenas de guerra”, de um lado manifestantes com faixas e cartazes, e do outro a polícia com balas de borracha, gás lacrimogêneo, cavalos, cães e portando também armas letais de alto calibre. Os confrontos eram transmitidos ao vivo pela mídia nacional e internacional.  A imprensa brasileira inicialmente acaba apoiando incondicionalmente a brutal ação militar contra os manifestantes, denominando-os de “baderneiros” e de “vândalos”. Mas, somente muda o discurso a partir  do momento em que as mobilizações aumentam de forma significativa, alcançando o maciço apoio popular, e também quando a própria imprensa passa a sofrer as atrocidades, brutalidades e o massacre da violência policial militar. As adjetivações “terroristas”, “vândalos” e “baderneiros” continuam por parte da imprensa nacional, no entanto, mudam-se os adjetivos (para manifestantes) quando as transmissões televisionadas exibiam mobilizações  populares em outros países.  O bombardeio midiático contra os  denominados Black Blocks se intensifica drasticamente após as primeiras manifestações de rua, na clara tentativa de criminalizar e desqualificar os integrante das ações diretas nas ruas. Adjetivações descabidas como terroristas, vândalos, baderneiros e arruaceiros são utilizados continuamente em todos os jornais e telejornais do Brasil.



E é justamente neste contexto, que surge uma palavra nova aos ouvidos dos brasileiros e também uma imagem diferente nas telas dos telejornais da TV, uma imagem fascinante de pessoas formando "blocos negros" de proteção na linha de frente das manifestações, um corpo coletivo negro em movimento, descontrolado e imprevisível dentro do espaço urbano das ruas. São os chamados Black Blocks, pessoas vestidas de preto e com máscaras ou lenços cobrindo os rostos, atacando e destruindo os principais símbolos do capitalismo, concessionárias de veículos, bancas de revistas, automóveis, fachadas de multinacionais e de fast-foods. Sua função é a formação do chamado front nas mobilizações, protegendo todos os manifestantes da violência e da forte repressão policial e ainda reagindo às ações violentas da polícia com pedras, rojões, escudos de madeira, gritos de guerra, estilingues, coquetéis molotov, chutes e murros.
Outrora desconhecido do grande público e da imprensa nacional, os Black Blocks, passam a provocar mistério, fascinação, repúdio, paixão, ódio, aprovação e reprovação. O poder coletivo dos corpos nas ruas, de forma descontrolada e indisciplinada, ocupa os espaços públicos de forma caótica, e se transformam no instrumento mais efetivo de oposição aos ataques e repressões promovidas pelo estado burguês. Corpos sem controle que bloqueiam avenidas e ocupam praças, revelam que os espaços das ruas não deveriam ser  lugares privativos, mas públicos. Corpos indisciplinados, que com chutes e socos quebram vitrines e destroem automóveis, desmascaram o fetiche da mercadoria e demonstram que o corpo é mais valioso do que meros objetos. Corpos “selvagens” invadem multinacionais e tentam devolver às pessoas o verdadeiro valor de uso do produto do seu trabalho em substituição ao supra-sumo dos capitalistas selvagens: o valor de troca. 


Os Black Blocks não são uma organização, entidade, instituição ou movimento social, são na verdade um idéia de ação direta nas ruas, uma tática pautada em princípios anti-capitalistas, onde seus integrantes optam pela destruição da propriedade privada como forma de protesto político. Os Black Blocks tem ainda a função de proteger manifestantes e evitar massacres promovidos por um dos principais aparatos de repressão do estado: a polícia militar. Os alvos dos Black Blocks, ao contrário da polícia, não são pessoas, mas os símbolos clássicos do capitalismo, como multinacionais, fast-foods, concessionárias de veículos, bancas de jornal, etc. As ações dos Black Blocks são todas realizadas na rua, onde seus métodos e práticas refletem uma organização não hierarquizada de ação direta. A indisciplina coletiva, a insurgência e o descontrole dos corpos Black Blocks demonstram um rompimento total com a disciplina, a ordem e subsunção às formas de controle dos corpos no capital.
Em contraste com os corpos dóceis, obedientes, mecânicos e servis forjados pela educação burguesa, os corpos dos Black Blockers[1] exaltam a liberdade plena e a indisciplina, são indomáveis e imprevisíveis. Os corpos Black Blockers ora funcionam como catapultas de pedras contra as paredes de soldados dos batalhões de choque, ora se transformam em massas vivas para bloqueio de ruas e avenidas, ora são como pincéis de artistas que vislumbram paredes e muros como telas para pichações, ora como verdadeiras muralhas de proteção contra cassetetes, balas de borrachas, sprays de pimenta e poderosos jatos d’água. São corpos que assustam e agridem mais as paranóicas mentes capitalistas daqueles que estão no poder, do que qualquer outra forma de manifestação pacífica ou sem violência (LUDD, 2002).

Manifestantes transformam seus corpos em catapultas, que atiram pedras em barreiras num espaço que exige outra disciplina, quebrando a rotina e a tranqüilidade dos que dirigem e comandam a economia e a política, demonstram a ausência daquilo que mantém as coisas em ordem e o capitalismo em vigor: a disciplina (LUDD, 2002, p.14).

A ação Black Block é uma tentativa de superação dos modelos tradicionais e pacifistas de manifestações de rua caracterizados pelo reformismo. Sua intencionalidade é a destruição da ordem da coisas. Os Black Blocks se caracterizam pela desobediência civil e pela ação direta. A evolução e a mutabilidade de suas estratégias e atuações, que são características importantes, ajudam a criar o fator de imprevisibilidade, dando  dinâmica às ações, dificultando e impedindo as reações de repressão do Estado.

O Black Block não é somente um avanço em relação aos meios de contestação tradicional, mas também um avanço em relação à ação ilegal isolada, que ganha sentido no quadro de sua luta global e política. O Black Block é também a desorganização organizada, a possibilidade de associar estratégica e prática igualitária, radicalidade e lucidez política (LUDD, 2002, p.86).

Os Black Blockers defendem a luta contra a sociedade de classes e pelo fim das relações sociais baseadas na mercadoria e no trabalho abstrato. Não possuem vínculos com partidos, sindicatos ou com os governos e não possuem nenhuma forma de submissão ou de sujeição à mídia. Adotam a diversidade de táticas e não praticam a violência sem sentido, pois suas ações são planejadas e se concentram em alvos específicos. A violência Black Block não pode ser de forma alguma comparada com a violência do Estado, onde este último, através de vários instrumentos, inclusive através da repressão desproporcional da  policial militar, é capaz de coagir, incriminar, torturar, reprimir e matar em defesa da falsa ordem e moral burguesa aliada ao capital. (LUDD, 2002)



 O dinamismo, a imprevisibilidade e a violência característica deste coletivo de rua pressupõe uma nova forma de luta e resistência expressas na própria corporalidade de sujeitos que têm como princípios a destruição da propriedade privada, o fim do jugo do Estado e a emancipação plena do proletariado.
            Como explicar quando algumas dezenas de pessoas indisciplinadas, descontrolados, criando ações radicais e imprevisíveis nas ruas, sejam capazes de atemorizar chefes de Estado, tirar o sono de banqueiros e gestores de grandes corporações e ainda de chefes de polícia, muito mais do que milhares de pessoas organizadas e reunidas em passeatas pacíficas, ordeiras, disciplinadas e não violentas? A resposta a esta pergunta talvez esteja justamente nas táticas e formas de organização dos Black Blocks e também nas suas características e princípios fundamentais. São na verdade corpos de sujeitos que se movimentam de forma imprevisível, sem disciplina e sem controle, mas que expressam na sua corporalidade violenta a própria ânsia humana por liberdade e por justiça.
           Segundo Ribas (2011) para a compreensão da corporalidade dentro dos princípios anarquistas, faz-se necessário pensar os significados e sentidos deste para além de uma análise que esteja focada apenas na perspectiva moral, contrapondo radicalmente ao discurso higienista e de normatização do corpo vigente na ideologia disciplinadora burguesa. A denominada moral libertária é na sua essência uma radical oposição à moral burguesa, e se contrapõe a este paradigma tradicional, no sentido de fomentar a transformação social e para o devir de uma moral revolucionária de uma nova sociedade. Percebe-se o caráter de subversão às normas, de transgressão através do próprio corpo como possibilidade de criação de expectativas revolucionárias, a partir das próprias experiências corporais vivenciadas pelos sujeitos, onde o corpo passa a ser compreendido como produtor de cultura, e não simplesmente produto desta. Sendo assim, dentro dos princípios anarquistas, o corpo não é pensado como mero objeto da cultura, mas como sujeito produtor de sentidos e de significados, onde as próprias vivência e experiências sentidas pelo corpo são capazes de transformá-lo em instrumento para a revolução social. O corpo do Black Blocker é anárquico em sua essência, defende princípios libertários e todos seus movimentos, expressões, aparências e atitudes são resultados do “desnudamento” do próprio corpo das amarras da mercadoria e da opressão do capital, numa ânsia e luta descontrolada pela plena liberdade do corpo-sujeito.
Segundo LUDD (2002) a terminologia Black Block é originária dos EUA, que se tornou conhecida principalmente após as grandes e famosas mobilizações anti-globalização ocorridas em novembro de 1999 na cidade de Seatle. Entretanto o Black Block verdadeiramente se origina a partir de experiências ocorridas na Alemanha durante a década de 1980, em manifestações de rua organizadas por movimentos da esquerda radical autônoma alemã, onde manifestantes vestidos de preto e com capuzes ou máscaras, se reuniam durante as manifestações a fim de garantirem a proteção dos manifestantes através de enfrentamentos contra a violência policial. Os Black Blocks são grupamentos livremente organizados, onde pessoas com mesmas afinidades se reúnem em manifestações ou passeatas, defendendo a tese de que o capitalismo  e a propriedade privada são as verdadeiras e maiores formas de violência existentes, e que tal sistema não pode ser reformado ou melhorado, mas que deve ser totalmente destruído a fim de converter o limitado valor de troca em valor de uso.


A Copa e os Black Blocks 


A efervescente crise neste atual momento histórico do capitalismo, fomentada pela ampliação do desemprego, da precariedade social e amplificada pela crise dos partidos, dos sindicatos e de todas as demais formas de instituições representativas, tem provocado a gigantesca eclosão de movimentos sociais em todo o mundo. No Brasil as grandes mobilizações de maio e junho de 2013 deram o tom da revolta e insatisfação popular contra a atual ordem capitalista vigente. O aumento da inflação, os vultuosos gastos públicos na realização de mega eventos (Copa FIFA 2014) e também o endividamento das famílias brasileiras, serviram como estopim para provocar mobilizações em centenas de cidades do país. A imprevisibilidade, o espontaneísmo e a força das grande mobilizações no Brasil tomaram de surpresa  os gestores públicos e também a elite nacional. Neste contexto do Brasil nas ruas, surgem os Black Blocks, uma idéia de ação direta-violenta, autônoma e não hierarquizada. Seus alvos envolvem a propriedade privada e os principais símbolos do capitalismo selvagem. Taxados pela imprensa como “vândalos”, “baderneiros” e até mesmo “terroristas”, os Black Blocks promovem a defesa dos manifestantes que integram as mobilizações, no intuito de evitar o massacre pelas forças militares do Estado. Suas ações utilizam como principal instrumento o próprio corpo, ora como catapultas-humanas, ora como barreiras-vivas e ora como perfuradores de bloqueios policiais. O corpo do Black Blocker expressa a liberdade em sua forma mais radical, a indisciplina como forma de luta, a desorganização organizada, a bagunça planejada e a violência como reação ativa a uma violência policial infinitamente maior.  A realização da COPA DO MUNDO FIFA DE FUTEBOL 2014  no Brasil revelará um episódio histórico para o país caso se repitam as manifestações de rua que ocorreram em 2013 durante a Copa das Confederações, onde os Black Blocks foram protagonistas de várias ações anti-copa-do-mundo em cidades como Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro, Goiânia, São Paulo dentre outras. Quase um ano já se passou, faltam cerca de 60 dias para início da Copa do Mundo FIFA 2014, e muita coisa ainda não mudou, inclusive a indignação e a insatisfação das camadas mais pobres da população brasileira, e quem sabe o grito de "Vem Pra Rua" ecoe novamente, e os Black Blocks com toda a certeza lá também estarão. (Enviado via e-mail e escrito por: COELHO, R. - docente UEG - UnU ESEFFEGO - o texto é parte do projeto de pesquisa vinculado à UEG (em tramitação))
OLÉ!



REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

HARVEY, D. Os Rebeldes na Rua: o partido de Wall Street encontra sua nêmesis. In: Ocuppy: momentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo. Boitempo: Carta, 2012.
LUDD, N. A Urgência das ruas: Black Block, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2002.
RIBAS, A.C. Corpo, Liberdade e Anarquismo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, jul, 2011.









[1] Black Blockers – Sujeitos que integram a tática Black Block.

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