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Torcedores chegam ao Estádio Mané Garrincha em Brasília para o jogo BRASIL X CAMARÕES (23/06/2014) |
"Toda a vida em sociedade nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação" Guy Debord
Durante o jogo pelo grupo A, entre as seleções de Brasil e Camarões, valendo classificação do Brasil para as oitavas de final, em um final de tarde de segunda-feira, no dia 23 de junho de 2014, podia-se observar pelas ruas da capital brasileira, o grande movimento de torcedores pelas largas avenidas do Plano Piloto. Eram torcedores de todas as partes do Brasil e também muitos turistas estrangeiros que acompanhavam os jogos da Copa em Brasília. Um gigante de colunas paralelas em concreto armado, um verdadeiro elefante branco, mas que naquele momento antes do jogo se travestia em verde e amarelo, o famoso Estádio Mané Garrincha, cujo orçamento final superou a quantia de R$ 1,7 bilhão de reais. Considerado o estádio mais caro de todas as Copas do mundo, erguido em pleno Planalto Central, contrasta com a pobreza e a miséria do chamado entorno de Brasília, onde as cidades satélites enfrentam graves problemas sociais de saúde, educação, saneamento público e de transporte. O estádio de Brasília leva o nome do maior de todos os jogadores da história do futebol brasileiro, Mané Garrincha, que morreu doente e na miséria aos 39 anos de idade. Cerca de um mês antes de seu falecimento, Garrincha atuou pela última vez como jogador profissional de futebol no dia 25 de dezembro de 1982 pelo time de futebol chamado de Londrina, localizado na cidade de Planaltina-DF, que fica próxima a Brasília.
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Torcedores entram no ônibus na Rodoviária do Plano Piloto rumo ao Estádio |
As cores verde e amarelo contrastavam com a cidade cinza e branco dos concretos em curva de Niemeyer. As ruas largas e espaçosas estavam bloqueadas dentro da chamada zona de exclusão da FIFA. Barreiras físicas foram colocadas no perímetro do estádio, perfazendo um raio de cerca de 2 Km a partir da zona de acesso aos portões. Vendedores ambulantes, camelôs ou manifestantes eram proibidos de transporem a linha de fronteira da FIFA. Todos os espaços públicos em volta do estádio estavam totalmente privatizados, o acesso somente era permitido aos que possuíam ingressos em mãos ou as credenciais da entidade privada FIFA.
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Zona de Exclusão FIFA no Plano Piloto em Brasília |
Além das barreiras físicas, o número de policiais e soldados (polícia militar, polícia federal, exército, agentes de trânsito, tropa de choque e cavalaria) era realmente gigantesco, similar a uma operação de guerra. Tudo era vistoriado, sacolas, mochilas e pertences dos torcedores ou pedestres que trafegassem pelo Plano Piloto, nada escapava da revista militar. Não era permitido o fluxo de veículos nesta zona de exclusão, exceto os ônibus que transportavam os torcedores ou veículos militares. O ponto de encontro de muitos torcedores, antes da entrada no estádio, era a zona de alimentação da Torre de TV, onde torcedores de várias partes do Brasil e do mundo se confraternizavam, com shows musicais e corografias de dançarinos brasileiros.
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Zona de Exclusão FIFA ao redor do Estádio Mané Garrincha |
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O número de policiais é maior do que o de torcedores neste espaço em volta do Estádio Mané Garrincha |
O aparato militar era realmente exagerado e desproporcional para uma capital brasileira. Armamentos de última geração e tecnologia avançada, com o objetivo maior de conter os atos de rua e para prender manifestantes. Em certos pontos em volta do estádio, o número de policiais fortemente armados e protegidos, era superior até mesmo ao número de torcedores. A maioria dos policiais usavam óculos com câmeras adaptadas que transmitiam as imagens em tempo real para a central de operações da polícia, instalada a cerca de 50 m do estádio.
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Militarização e Repressão do Estado Brasileiro durante a Copa |
O número de policiais da cavalaria era também muito grande (ver foto acima). Vários helicópteros militares sobrevoavam o Mané Garrincha, e o efetivo militar no total era realmente gigantesco, fazendo lembrar desastroso golpe de 1964, onde militares fortemente armados tomaram as ruas da capital brasileira.
Foram gastos pelo governo brasileiro cerca de R$ 3 bilhões de reais com infra-estrutura para as polícias, não somente para proteção de delegações ou chefes de estado presentes no mega evento FIFA, mas sobretudo em virtude das manifestações que eclodiram principalmente em maio e junho de 2013, coincidindo com a Copa da Confederações, que obrigou o governo a priorizar ainda mais os gastos com equipamentos militares, no intuito de conter as manifestações populares.
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Tecnologias e Militarização contra os Movimentos Sociais |
Porém, este será um dos principais legados da Copa do Mundo FIFA 2014, ou seja, o aumento da repressão militar contra a população brasileira, já que a partir desta copa, teremos uma polícia mais bem armada e treinada para conter manifestações e atos populares. As mudanças na legislação, também em tramitação no Senado, só não foi aprovada ainda para este período de Copa, porque não houve tempo hábil entre os parlamentares de sancioná-la (burocracias do estado). Mas quem garante que tais mudanças nas leis penais não passem a vigorar depois da copa e para sempre? Uma delas, que ainda encontra-se no Senado, diz respeito a transformar as manifestações populares de rua em atentados terroristas, cabendo até 14 anos de prisão aos envolvidos. Na verdade, não é uma "lei de exceção" como muitos a denominam, mas é a própria regra de violência do Estado colocada a serviço da reprodução do capital internacional e para a a repressão e criminalização dos movimentos sociais.
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Zona de Exclusão e Militarização em torno do Estádio Mané Garrincha
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O grande contraste foi visitar o denominado "FIFA FAN FEST" localizado na cidade de Taguatinga-DF, a cerca de 20 Km do Estádio Mané Garrincha. Enquanto se via aos arredores do Estádio a alta burguesia nacional e internacional, que chegavam a Brasília de avião e pagavam mais de R$ 1.000,00 por um ingresso, ali em Taguatinga se via justamente o contrário.
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Entrada do FIFA FAN FEST em Taguatinga-DF |
O FIFA FAN FEST estava instalado em um antigo parque abandonado da cidade, de fácil acesso, porém sem nenhuma infra-estrutura, sem cobertura e ainda dentro de um terreno de terra vermelha batida. Observava-se claramente a segregação imposta pela FIFA durante a Copa (Segregação PADRÃO FIFA), onde a distância e a localização em relação ao Estádio, foram minuciosamente estudadas e planejadas pelos organizadores do evento. A distância entre os dois espaços, não permitiam o encontro entre as diferentes classes sociais (ricos e pobres) durante o evento. Planaltina é uma cidade do entorno de Brasília e distante cerca de 20 Km da capital, e o público que frequenta esta espaço é totalmente diferente daquele que assiste aos jogos de dentro do Estádio "PADRÃO FIFA".
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Torcedores no FIFA FAN FEST em Tagautinga-DF |
A população mais pobre e carente, apesar de estarem a 20 Km do Estádio da Copa, tinha apenas duas opções de assistirem a partida da seleção brasileira, ou ficavam assistindo em casa pela TV, ou se dirigiam até Taguatinga para o "FIFA FAN FEST". Nota-se assim a grande contradição e a segregação imposta pela organização de uma Copa do Mundo. São espetáculos para uma pequena elite branca poder participar e assistir de perto, e os moradores pobres da periferia ficam segregados e usufruindo da "Copa das Copas" à distância, mesmo apesar de ser na sua própria cidade. Foram gastos mais de 30 bilhões de reais com a Copa do Mundo 2014, considerada a Copa mais cara de todos os tempos, onde a maior parte destes investimentos originários de fundos públicos. E mesmo assim, a maior parte da população assiste aos jogos da mesma forma que em copas anteriores, realizadas em outros continentes, ou seja, pela TV.
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FIFA FAN FEST em Taguatinga-DF |
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FIFA FAN FEST em Taguatinga-DF |
O FIFA FAN FEST, além de ser colocado estrategicamente distante do Plano Piloto, onde está localizado o Estádio Mané Garrincha, também apresentou problemas para entrada dos torcedores, que se aglomeravam e se expremiam em filas quilométricas para se aproximarem dos telões que exibiam as imagens ao vivo do jogo. Mesmo que o grande Mané Garrincha, o maior de todos os jogadores brasileiros, ainda estivesse vivo, ele também seria excluído da festa da Copa FIFA em Brasília, ele não entraria no Estádio que leva o seu nome, pois seus últimos dias foram sem dinheiro e na pobreza. Talvez seria hoje um simples e humilde morador de Planaltina, Santa Maria ou Samambaia. E aqueles que no passado somente o extorquiram e o roubaram em nome do futebol, transformando seu futebol arte em mercadoria, ainda continuam até hoje a explorar e a alienar. Porém, agora exploram a todo o seu povo, transformando a todos nós em Garrichas sem bola e sem sonhos, em nome do capital insaciável da FIFA.
Olé!
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FIFA FAN FEST em Taguatinga-DF |
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